segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Atento eleitores veja o que acontece se o Prefeito Municipal não cumprir uma lei?

Imaginem a seguinte situação:
A Câmara Municipal do Município Alfa aprovou uma lei prevendo vantagens para os munícipes (isenção de pagamento em concursos públicos municipais, por exemplo). Pergunta-se: poderia o Prefeito do Município Alfa, não cumprir esta norma? Quais seriam as consequências?
De fato, não pode o Chefe do Executivo simplesmente deixar de
cumprir uma lei, seja ela nacional, estadual ou municipal, isto porque é decorrência lógica do direito brasileiro, que o princípio da legalidade é diretriz de observância obrigatória no Estado Democrático de Direito:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte.
Assim, o princípio da legalidade gera para a Administração Pública o dever de fazer apenas o que a lei permiteao passo que no âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe.
No direito brasileiro, esse postulado, além de referido no artigo 37, está contido no artigo , inciso II, da Constituição Federal que, repetindo preceito de Constituições anteriores, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.[1]
Deste modo, da análise sistemática dos dois dispositivos que tratam da legalidade na Constituição Federal, interpretação não resta a não ser é a de que, se existe lei vigente para a administração pública, ela inevitavelmente precisa ser cumprida, por consequência de sua coercibilidade natural, pelo simples fato de ser uma norma.
Em que pese o Princípio da Legalidade ser, por si só, razão pela qual não só o Prefeito Municipal, mas também qualquer outra pessoa, cumpram as normas do ordenamento jurídico, existem também dispositivos pontuais no direito brasileiro, que preveem sanções para o caso de descumprimento de normas, vejamos:

I - CRIME DE RESPONSABILIDADE POR RECUSA A CUMPRIMENTO DE LEI

O Decreto-Lei 201, de 27 de fevereiro de 1967, trata sobre a responsabilização de prefeitos e vereadores, trazendo normas de conteúdo penal, mas também de responsabilizações político-administrativas.
Desta forma, uma das previsões da norma é a prática de crime de responsabilidade por parte do Prefeito Municipal, que negar execução a lei, ou deixar de cumprir ordem judicial sem justo motivo/impossibilidade:
DECRETO-LEI 201, DE 1967
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipalsujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
[...]
XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;
Tal previsão é importante, pois acaba constituindo num importante mecanismo de controle do sistema de freios e contrapesos, evitando com que o Chefe do Executivo Municipal, a bel-prazer ignore leis vigentes, ou descumpra comandos judiciais sem justo motivo, frustrando o trabalho dos outros poderes constituídos.
Desta forma, recente julgado do Tribunal de Justiça de SP ratificou essa máxima:
Ação Penal Originária. Crime de responsabilidade. Prefeito. Artigo , inciso XIV, do Decreto-lei nº 201/67. Contratação de servidores contra expressa disposição legal. Falta de realização de concurso público. Denúncia que descreve conduta típica. Prova de materialidade e presença indícios de autoria. Denúncia recebida.
[Tribunal de Justiça de SP. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO MP Nº 0025697-67.2016.8.26.0000. 9ª Câmara de Direito Criminal. Rel. Des. Sérgio Coelho. Julgado em 1º de dezembro de 2016]

II - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR ATO ATENTATÓRIO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Se como visto acima, o Princípio da Legalidade deve ser observado por todos, inclusive pelo Chefe do Executivo, é inegável que a conduta de abstenção ante uma obrigatoriedade imposta por lei municipal, pode gerar a prática de improbidade administrativa pelo Prefeito Municipal:
LEI Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992.
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
[...]
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
[...]
VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas. (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência)
IX - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
Da redação da Lei de Improbidade Administrativa-, extrai-se que a hipótese do inciso II, do art. 11, trata-se da chamada “prevaricação administrativa, consistente em retardar ou omitir ato de ofício sem justificativa legal”.[2]
Na jurisprudência:
APELAÇÃO AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ATO ATENTATÓRIO À LEGALIDADE Preliminar:
Impossibilidade jurídica do pedido. Sujeição dos agentes políticos ao regime de responsabilização da Lei nº 8.429/92, sem prejuízo das disposições do Decreto-lei nº 201/67. Ausência de bis in idem. Preliminar rejeitada. Mérito: Os agentes da Administração Pública, no exercício de suas atribuições, devem guardar em seus atos a mais lídima probidade, a fim de preservar o interesse último dos atos praticados, qual seja, o bem comum. Elementos fáticos-probatórios dos autos que evidenciam a conduta atentatória à legalidade da Administração. Procedência da ação. Reiteração de conduta que demonstra o elemento volitivo qualificado necessário à configuração do ato ímprobo - aplicação dos instrumentos de sanção cabíveis, mediante processo de individualização da pena respeito aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade - sentença mantida. Recurso improvido.
[Tribunal de Justiça de SP. Apelação nº 0000834-24.2011.8.26.0129. 4ª Câmara de Direito Público. Rel Des. Paulo Barcellos Gatti. Julgado em 16 de outubro de 2017].

CONCLUSÃO

Ante o exposto, conclui-se que apenas em casos devidamente pontuais e justificados poderia o Chefe do Poder Executivo se omitir ante um comando normativo, sob pena, de correr o risco de se ver responsabilizado penal e administrativamente (e até civilmente, se num caso concreto eventual munícipe se sentir lesado pela omissão do gestor), com base no Decreto-Lei 201, de 1967, e na Lei de Improbidade Administrativa, Lei Nacional 8.429, de 1992.

[1] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 31ª ed. rev. atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. Versão Eletrônica, p. 131/132.
[2] PAZZAGLINI Filho, Marino. Lei de improbidade administrativacomentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 7ª ed. - São Paulo: Atlas, 2018. Versão Eletrônica, p. 108.
Fonte:jusbrasil

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