O instituto da delação premiada ou ainda, colaboração premiada, nos remonta à Idade Média no período em que, superada as Ordálias, extrair uma confissão do acusado era primordial para a processabilidade, sendo válida até a tortura corporal para obter a “verdade” sobre os fatos. Caso
não houvesse a confissão, a acusação necessitaria de duas testemunhas oculares para obter uma condenação (tertius uno tertius nulo), uma das poucas garantias penais naquele tempo.
Com o advento da Idade Moderna, surgiram também novas garantias para os que infringiam as leis, (tais como o direito ao silencio, a não autoincriminação, entre tantas outras). Essas prerrogativas tornaram cada vez mais fora tornando complexa a arte de acusar do Estado. Podemos dizer que o poder de punir e investigar ficara um tanto limitado em virtude do uso de tantos artifícios dos quais os acusados em geral poderiam desfrutar.
Com a modernização da justiça, o cumprimento do devido processo legal que em tese, deveria ser cumprido à risca, os acusadores se depararam com um processo penal moroso e de difícil condenação, principalmente no que se trata dos crimes econômicos ou, como são conhecidos, Crimes do Colarinho Branco, que possuem uma estrutura muito mais rebuscada. Por vezes os agentes participantes possuem influência aquém do imaginário médio, pois por vezes os indivíduos investigados são grandes empresários e políticos dos mais diversos níveis.
Assim, diante da complexidade dos crimes econômicos modernos (e não só destes), houve a necessidade do Estado buscar novos meios para a condenação dos agentes criminosos, tais como a interceptação telefônica, infiltração de agentes, quebra de sigilo bancário, entre outros. E todos estes institutos são meios de prova bastante invasivos, pois uma vez constatada a prática de um delito, torna-se muito difícil a elaboração uma defesa que possa desmentir os fatos constatados, assim o advogado acaba por ficar restrito a elaborar suas teses voltadas a atacar tão somente os vícios processuais dos atos realizados.
Agora, voltando ao foco, o instituto da delação se difere um tanto dos citados no parágrafo acima, pois não é invasiva a ponto de demonstrar a verdade dos fatos, pelo contrário, na maioria das vezes é necessário que o Estado inicie uma nova persecução sobre os fatos delatados. Não raro é, que os fatos que foram relatados pelo delator diferem da verdade real, ou caso sejam verídicos, pode não haver outras provas que corroborem com o que foi dito e então tenham eficácia para incriminar um indivíduo.
Este pequeno texto não tem a intenção de por em dúvida o instituto tão utilizado atualmente por diversas operações no Brasil e no exterior, mas sim demonstrar que por vezes há falhas na aplicação prática. Podemos citar a seguinte hipótese como exemplo: iniciar uma nova persecução penal com base em informações repassadas por um possível traidor que, em suma, relatam supostos fatos na esperança de conseguirem certos benefícios a serem negociados junto aos membros do MP, além dos direitos já previstos no Artigo 5º da Lei nº 12.850/2013 (Lei que trata das Organizações Criminosas).
Quando então o acusado se encontra preso, é que há uma espécie de “coação” para que este colabore com o processo. Isto é perfeitamente entendível. Entretanto resta claro que o Estado está a utilizar a pessoa como meio para um fim em específico, a fim de suprir sua ineficiência probatória, tratando o acusado como objeto de produção de provas, o que não será tratado neste texto, de modo a deixar apenas a reflexão sobre uma abordagem mais humana e cuidadosa na obtenção de provas realizada pela acusação.
Fato é que quando um acusado/réu decide falar, se celebram entre as partes uma espécie de contrato, onde fica as disposições ficam postas a termo e depois deverá ser homologado pela autoridade judicial. Entretanto, tendo o MP como titular da ação penal, resta uma dúvida significativa, ou ao menos a ideia de impunidade em alguns casos, pois durante as negociações com os advogados de defesa, os acusadores, a fim de alcançar as informações que tem por significativas podem abrandar uma acusação ou mesmo não fazê-la, e tal atitude se assemelha muito ao instituto de delação norte americano (plea bargain agreement), em que há um contrato privado entre acusação e acusado em que mesmo havendo indícios de cometimento de crimes, pode não haver qualquer acusação forma.
Este texto foi uma breve explanação acerca das hipóteses que podem ocorrer durante uma negociação para que haja uma delação por parte de um acusado, de forma que esta venha a suprir a deficiência probatória do Estado ou mesmo, trazer a tona novos fatos sobre indivíduos. Isso permite que, por seguinte se abram novas linhas de investigação no sentido de comprovar os fatos declarados. É certo que com isso deve haver responsabilidade das autoridades no sentido de que procedam com cautela em relação ao conteúdo das informações coletadas, bem como em relação a divulgação das mesmas, principalmente quando estas informações se basearem na palavra de um indivíduo já encarcerado.
Bruno Mário da Silva
Advogado Criminalista
Pós Graduando em Direito Penal Econômico e Empresarial.
Edição: Laís A. Wolski
Fonte:jusbrasil.
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