Por Gustavo dos Santos Gasparoto
O crime de omitir informações às autoridades fazendárias a fim de suprimir tributos está previsto no art. 1º, I, da Lei 8.137/90, o qual assevera que:
Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:Ocorre que há grande debate se a omissão nesse caso se configura (i) quando o agente declara o imposto, mas omite informações a fim de suprimir o tributo, ou (ii) se o simples fato de não fazer a declaração, por exemplo do Imposto de Renda, já é o suficiente para ensejar o crime previsto na Lei 8.137/90.
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias.
De fato, o legislador não foi muito claro, mas ao analisar de forma minuciosa o tipo penal em apreço, verifica-se que as condutas incriminadoras consistem, ipsis litteris, em (i) omitir informações (ou seja: informações eventualmente declaradas, porém, com alguma supressão), bem como (ii) prestar declaração falsa às autoridades fazendárias. Dessa forma, a não declaração de imposto de renda, em tese, não se amolda ao delito de sonegação de tributo – portanto, referida conduta é formalmente atípica.
Há decisão recente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região bastante didática sobre o tema aqui trazido (APL n.º 0007036-77.2008.4.03.6181/SP, DJe 13/09/2018).
No julgamento foram analisados dois anos calendários distintos (2003 e 2004). No ano de 2004 o agente não apresentou à Receita Federal os rendimentos da sua empresa; já no ano de 2003 o agente declarou o imposto de renda da pessoa jurídica à Receita, mas omitiu informações a fim de suprimir tributos.
Qual foi o resultado?
- 2004:
A conduta descrita na denúncia quanto ao ano-calendário 2004 é atípica, pois a omissão na entrega da PJSI 2005 não configura, por si só, a omissão fraudulenta descrita na norma penal. Com efeito, perfilho do entendimento de que a "omissão" da qual trata a norma penal somente se perfaz quando o contribuinte apresenta a declaração e nela omite as informações acerca dos fatos geradores da obrigação tributária. (...) Isto porque, quando o contribuinte não entrega a Declaração da Pessoa Jurídica, não há falsidade, não há fraude, e o Fisco pode arbitrar o valor devido segundo a lei tributária, como, in casu, ocorreu. Conclui-se, portanto, que a conduta imputada à acusada é atípica em relação a não entrega da PJSI 2005, correspondente ao ano-calendário de 2004.
- 2003:
No que tange ao ano-calendário de 2003, tem-se perfeitamente demonstrada a materialidade do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Com efeito, segundo restou apurado no bojo do processo administrativo fiscal nº 10880.07525/2008-65, houve redução de tributos mediante omissão de informação, na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica, acerca da receita auferida pelo contribuinte (...)Portanto, por meio dessa decisão do TRF3, não apresentar à Receita Federal a declaração dos rendimentos, por si só, não configura crime contra a ordem tributária. Consistiria, apenas, uma inadimplência perante o fisco.
No entanto, essa questão não é tão simples.
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi julgada uma situação bem semelhante com a ilustrada acima (APL n.º 5005382-31.2010.404.7002, DJe 14/12/2012), todavia além de não declarar o imposto de renda, o agente não prestou informações à Receita Federal quando esta o intimou.
Nesse caso, o agente foi condenado em primeira instância, mas o Tribunal (TRF4) reformou a decisão por entender que a conduta de não apresentar à Receita Federal os informes necessários não constitui o crime estampado na Lei 8.137/90, conforme se verifica por meio do voto do relator:
O tipo penal exige o dolo genérico, consistente em uma conduta ativa ou omissiva de consciente sonegação fiscal, assim entendida a omissão de informação na declaração de rendimentos ou a prestação de informações falsas nessa declaração dirigida às autoridades fazendárias, bem como a inserção de elementos incorretos ou a omissão de operações fiscais nos livros e documentos exigidos pela lei fiscal, com o intuito de omitir ou reduzir a tributação.O relator reconheceu a atipicidade do delito de ofício e julgou prejudicado o recurso de apelação do Ministério Público Federal.
Entretanto, a não apresentação da declaração de Imposto de Renda, como soe ocorrer no caso, não constitui infração penal, mas mera infração tributária.
Irresignado com o acórdão proferido, o MPF interpôs recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1390125/PR) alegando que pelo fato do agente não ter declarado o imposto, bem como por não ter prestado informações quando intimado pela Receita, o crime de sonegação de tributo mediante omissão estava devidamente configurado. Verifica-se excerto do recurso:
não apenas não apresentou a declaração de imposto de renda relativa ao ano-calendário 1997, como omitiu informações devidas à autoridade fazendária a respeito da origem dos valores movimentados em suas contas-correntes quando por ela intimado para tanto (conduta fraudulenta). Assim agindo, suprimiu tributos, na medida em que não recolheu valores devidos à título de Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF (inadimplemento).Resultado do julgamento? O ministro Felix Fischer, monocraticamente, deu provimento ao recurso especial. Muito embora o ministro tenha determinado que o TRF4 julgasse a apelação lá interposta (a apelação do MPF foi julgada prejudicada, uma vez que o relator reconheceu de ofício a atipicidade da conduta) ele entrou no mérito da questão e no voto restou consignado que:
É imperioso que se reconheça que, na espécie, houve omissão de informação à autoridade fazendária em duas oportunidades: a primeira no momento em que o recorrido não apresentou a declaração anual do imposto de renda relativa ao ano-calendário 1997, que era devida; e a segunda ocorrida, quando regularmente intimado pelo Fisco para prestar esclarecimentos sobre a origem dos valores recebidos, passíveis de tributação, deixou transcorrer o prazo que foi assinalado sem manifestação.
In casu, não há como se concluir pela ocorrência de mera infração tributária, eis que esta se verifica quando há intensão do autuado em saldar o débito fiscal constituído e, assim, as circunstâncias não o permite. O que se vê é a adequação típica imediata da conduta, valorada no acórdão combatido, ao art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90.Ou seja: entendeu que o fato de o agente não ter declarado o imposto de renda seria o suficiente para configuração do crime em tela.
Portanto, por meio dos precedentes dos Tribunais Regionais trazidos ao debate e pela análise feita no tipo penal estampado na Lei n.º 8.137/90, em tese, não configura crime contra a ordem tributária deixar de apresentar a declaração do imposto de renda; configura mera inadimplência perante o Fisco.
No entanto, nota-se que a questão não é pacífica, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou de forma contrária, sobretudo quando o contribuinte devidamente intimado pelo órgão tributário fiscalizador se mantém inerte.
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